poetenladen    poet    web

●  Sächsische AutobiographieEine Serie von
Gerhard Zwerenz

●  Lyrik-KonferenzDieter M. Gräf und
Alessandro De Francesco

●  UmkreisungenJan Kuhlbrodt und
Jürgen Brôcan (Hg.)

●  Stelen – lyrische GedenksteineHerausgegeben
von Hans Thill

●  Americana – Lyrik aus den USAHrsg. von Annette Kühn
& Christian Lux

●  ZeitschriftenleseMichael Braun und
Michael Buselmeier

●  SitemapÜberblick über
alle Seiten

●  Buchladenpoetenladen Bücher
Magazin poet ordern

●  ForumForum

●  poetenladen et ceteraBeitrag in der Presse (wechselnd)

 

Carmo Neto
  Pitangas – Literatur aus Angola


Ah! Jeremias
De: Degravata

Festejava o início do dia o sino da missão e logo Jeremias fazia a barba e vestia-se para a labuta. Era, assim, de sol a sol. Nunca pensara num outro chão menos húmido, nem noutros lugares de aço. Tinha o sino da missão e não as buzinas enrouquecidas. Tinha pássaros de volta ao novo dia, a brisa recon­fortante, os caminhos verdejantes ainda não devorados pelo asfalto.
  Sua cidade provinciana tem o registo da sua estirpe familiar. Nada o preocupava. Se o sal faltasse, o vizinho do lado oferecia, sem maldição.
  O tempo se dilatava, Jeremias mudou para a cidade grande. Despedira-se de todos os putos seus aprendizes. Aos amigos grandes, não se esqueceu do abraço. «Que continue o mesmo!» Assim diziam os que desejavam o fim da viagem. Levara a vida a preceito.
  Não levou tempo para a adaptação ao clima flamejante do novo emprego, onde dirigia uma empresa do Estado. Domesticou os dias de trabalho com o seu sorriso cândido e albergava, até à exaustão, a solução e as preocupações dos subordinados.
  A grande cidade tinha mais defeitos que o primeiro chão de vida. Nunca vira tanta gente esfarrapada. Gatos e cães inanimados, em estado de putrefação. Nem vira tanto verniz mentiroso na pele das pessoas. Nas pessoas, nas esquinas, o miúdos de pele e osso vendiam sonhos.
  Jeremias, porém, continuava o mesmo. Por vezes, mais expansivo, sobretudo quando o comboio passava ao lado da empresa. Viajava para o tempo da sua infância. Continuava imperturbável, mesmo com as exigências crescentes dos colegas. Ele, homem de poucas palavras, vestes modestas, cabeludo, barba raramente aparada, dizia que acreditava ver melhores dias. Mais admirável é que, ante a sacanagem ingrata do colega, não alterava sua tensão. Só quando uma senhora zarolha o convidava a comprar dólares guardados entre as páginas de um livor de Lénine, ele dava mostras de consternação. Seja como for, nada o desobrigava do sonho do porvir. Daí, a alcunha de Lénine.
  Quase todas as pessoas adivinhavam o que Jeremias diria quando olhava pró céu. Antes de falar, e como que por contágio, o sorriso saía dentre os lábios e, nesses dias, assim, trazia vestida uma camisa semelhante às milhares espalhadas pela cidade grande, nos tempos áureos da igualdade, a cobrir o dorso de outras tantas pessoas, e mecanicamente repetia que acreditava em melhores dias. Qual não foi o seu espanto quando, num dia qualquer, soube que ele e mais colegas deixariam de pertencer à empresa, porque fora entregue a um privado.
  A partir daí, subiu veloz as escadas. E, porque preparava a entrega das chaves, ainda teve tempo de olhar, folha a folha, uma pasta de arquivo cheia de condecorações suas, enquanto que, do ecrã da sua janela, via miúdos em correria, até um dia aparecer caído na rua.
  Ao que ia sucedendo, as pessoas amigas diziam que era o remorso, por ter enchido injustamente os bolsos, mas só depois de verem o homem andar roto, sujo, despenteado, descobriram que Jeremias já há muito se habituara a pesar dinheiro na loja de seu pai. E, apesar de quarentão, continuava dependente da mamã. Quase só não pedia fraldas e bibes.
  As pessoas metiam a língua pra falar da sorte do Jeremias, como se de um galinheiro em alvoroço se tratasse. Ninguém sabe ao certo se teria ele vencido ou fora vencido ou fora vencido pelo modelo ›business‹ da vida. Ainda se levantam dúvidas sobre o seu estado tresloucado. A verdade, porém, é que deixara de ter família e a cumplicidade dos amigos e vizinhos. Andava às apalpadelas, um homem faminto de sonhos, pelas ruas da cidade grande. Um homem do século vinte e dois, sem rumo, explicador de médicos, engenheiros, professores e advogados desta nova geração. E eu, a lavrar de quando em quando lágrimas de comoção, exclamo: – Ah, Jeremias, meu general, a memória dos homens é curta! ...

Mahézu, Ngana!

De: Degravata. Luanda: União dos Escritores Angolanos/Sete Egos, 2010

    22.09.2012



 
 

    Carmo Neto
       Einleitung
    
Ineke Phaf-Rheinberger
  01   Agostinho Neto
     Sim em qualquer poema
     Ja in jedem Gedicht
  02   Zetho Cunha Gonçalves
     O inferno e a morte ...
     In der Hand von Hölle und Tod
  03   Sónia Gomes
     A Filha do General
     Die Tochter des Generals
  04   José Luís Mendonça
     O resto é poesia
     Der Rest ist Poesie
      António Gonçalves
     Adobe Vermelho da Terra
     Roter Lehm der Erde
  05   Tazuary Nkeita
     O último segredo
     Das letzte Geheimnis
  06   Carmo Neto
     Ah! Jeremias
     Ach! Jeremias
  07   Décio B. Mateus
     O Candongueiro
     Der Candongueiro
  08   Amélia Dalomba
     Espigas do Sahel
     Ähren des Sahel
  09   Roderick Nehone
     O Catador de Bufunfa
     Hinter der Kohle her
       Fortsetzung
    Monatlich weitere Autoren