poetenladen    poet    web

●  Sächsische AutobiographieEine Serie von
Gerhard Zwerenz

●  Lyrik-KonferenzDieter M. Gräf und
Alessandro De Francesco

●  UmkreisungenJan Kuhlbrodt und
Jürgen Brôcan (Hg.)

●  Stelen – lyrische GedenksteineHerausgegeben
von Hans Thill

●  Americana – Lyrik aus den USAHrsg. von Annette Kühn
& Christian Lux

●  ZeitschriftenleseMichael Braun und
Michael Buselmeier

●  SitemapÜberblick über
alle Seiten

●  Buchladenpoetenladen Bücher
Magazin poet ordern

●  ForumForum

●  poetenladen et ceteraBeitrag in der Presse (wechselnd)

 

Roderick Nehone
  Pitangas – Literatur aus Angola



O Catador de Bufunfa


UM

Pois, preferi deixar de bumbar no Estado! Com desculpas antecipadas, peço-te que aceites os meus surtos de calão, porque será nesses termos que vou te resumir o mambo.
Tás a ver! Já não estava a dar. O mesmo salário sempre. Xixilo pra receber. As bocas em casa a aumentarem, a velhice sempre a subir, as doenças que vêem com ela também, o dinheiro p'ra boa consulta a faltar e p'ros medicamentos já nem se fala, o kumbu p'ro candongueiro a esquindivar ... Epá!: decidi mesmo bazar do Estado e usar como particular todo o meu know how.
  Hoje é o meu primeiro dia de trabalho informal!
  Neste segunda-feira passei ao lado da porta destas instalações onde trabalhei durante vinte e cinco anos. Foram mesmo vinte e cinco anitos a dar no duro, chegar cedo, assinar o livro de ponto, pegar nos documentos já devidamente arrumados pelos meus colegas do Expediente e montar na motorizada do serviço para fazer a distribuição dos maducos pela cidade. Eu sempre fui estafeta, sabes?! Um bom estafeta, com vários diplomas de mérito e palavras de reconhecimento de toda a maralha. Nunca me enganei na distribuição da correspondência.
  Nesta cidade, conheço todos os ministérios, institutos e empresas públicas, sejam elas grandes ou pequenas. Conheço os serviços de Expediente de todas essas instituições. Conheço também muitas empresas privadas, algumas das quais já faliram e foram substituídas por outras novas, ainda cambaleantes, mas que já entraram na minha memória. Eu conheço esta cidade como a palma da minha mão!
  Ao olhar para este edifico velho, de estilo colonial, e ver estes degraus que foram bem pisados pelos meus sapatos durante duas décadas e meia, dá-me mesmo um quê de saudade, não dá pra mentir, ainda que apenas hoje, hoje mesmo, decidi parar aqui, diante da escadaria. Não vou entrar! Há aqui dentro de mim uma força que diz: curva e entra lá rapaz! Estás a te armar em carapau de corrida ou quê? Entra lá masê! Quem te comeu a carne, que te coma também os ossos, porra! Entra, que é aí mesmo onde vais acabar os teus dias de trabalhador. É aí onde vais obter a tua reforma, seu burro! O Estado paga pouco, mas paga sempre! O Estado não vai à falência meu, o Estado é nosso, e está sempre aí, a nos segurar, a nos proteger, enquanto nós cá estivermos. Nós é que fazemos o Estado! Nós é que o sustentamos, Nazaré! E agora que já passaste dos quarenta, queres abandonar a Função Pública? Queres partir p'ro nada, perder o que descontaste para a reforma, agora que já ninguém vai te dar emprego no privado! Já leste bem os anúncios do Jornal de Angola? Não empregam gente com mais de trinta e cinco anos! E tu, com a idade que tens, profissão: estafeta, óculos com lentes grossas, mão permanentemente trémula por causa do chuping, tanto tremelique que ficas como um gajo que está a pôr canela nos bolos ... quem é que vai te dar emprego de estafeta, nesta cidade amarrada pelos engarrafamentos?
  Essa voz persistente me provoca; essa voz quer fazer vergar a minha decisão, mas eu já concluí que só vou passar em frente do edifício. Não vou entrar! Passei mesmo para me despedir, só para ver a sua fachada, essa sua arquitectura bonita, e se algum dia voltar a entrar aí, será no âmbito do meu salu como particular.
  Ao longo destes anos conheci muita gente. Não só estafetas como eu, meus colegas de profissão. Conheci também gente bem mais importante. Conheci secretárias e chefes de secção, chefes de departamento e técnicos superiores. Lidei com técnicos médios e até com directores. Já entreguei pastas a ministros e seus sucessores. Por mim passaram muitos onerados e também os exonerados. Vi-os sorridentes, chegar e de esguelha também os vi bazar. Pela minha profissão, sou um homem de contactos múltiplos, alguém por quem sempre se espera e com muita ansiedade. Isto não é me gabar, não!
  Eu fui portador da graça e da desgraça, levei na minha pasta nomeações e exonerações, promoções e quedas, documentos oficiais, muitos dos quais: confidencias; ofícios de todos os tipos e volumes de diferentes pesagens, memorandos ininteligíveis e até bilhetes de passagem. Qual aranha-mestra (a imitar a famosa abelha na sua colmeia), eu mantive durante longos anos uma teia invisível, ampla, cheia de derivações, com muitos nós e fiz circular entre os múltiples destinos, uma corrente de mensagens que deu vida àquela gente e às suas instituições. Por essa, e por muitas mais outras razões que vocês devem supor, eu sinto-me um homem importante, e não se espantem que me sinta assim, apesar da aparente insignificância da minha profissão de estafeta. Eu não fui um estafeta qualquer! Aprendi muito! Eu sou um homem importante, repito, um homem que aqui fora ainda pode viver dessa rede que conhece, como a palma da sua própria mão. No fundo no fundo, é essa a sensação que me faz afastar-me dessa porta, cujo arco a minha cabeça cruzou durante vinte e cinco anos.
  Ao dizer isso, acredite que estou mesmo a afastar-me do lugar onde trabalhei até na última sexta-feira.


DOIS

É natural que haja direitos adquiridos. É muito comum ouvir esta expressão na rádio ou vê-la escrita em artigos nos jornais. Os sindicalistas também usam-na muito, quando querem reivindicar o que julgam lhes ser devido. Estou a referir-me de modo tão oportunista a ela, que até nem sei se utilizei bem o seu sentido comum. Mas basta-me mesmo este sentido que estou a dar, para dizer que, depois de estar este tempo todo no Estado, qualquer saída para tentar a vida com outro patrão ou sem patrão, deve ser bem organizada. Salvaguardar alguns direitos, porque a antiguidade é um posto.
  A gente não pode bazar como se estivesse a fugir como gatuno surpreendido, sem tempo sequer de organizar a retirada, a deixar as bicuatas pelo caminho, a confundir o bebé com o cão, colocar algo nas costas só porque parece de carne e depois, quando já estamos longe do perigo, darmo-nos conta de que o filho cassula ficou e levamos o cambuá. Foi isso que aconteceu com algumas pessoas do Cassenda em 1992, quando os do gatilho rebentaram o paiol da Força Aérea. Aquilo foi só pegar no que estava ao alcance dos mocotós e bazar, bem panicado!
  A nossa experiencia de muitos anos de cangaço fez com que aprendêssemos a dominar o método das retiradas. Segundo este, bebido da laif daqui da Nguimbi, você não deve fazer retiradas previamente anunciadas. Senão, te barram o caminho! Também não dever insinuar, através da atrapalhação, qual vai ser o caminho, o beco, ou o lugar de destino da retirada. É preciso fingir, piscar p'ra direita e curvar para a esquerda, como dizia um velho dirigente da malta. Dizer que o mambo vai acontecer dentro de dez meses, quando afinal só faltam três p'ro bazanço acontecer. Em poucas palavras: ludibriar o inimigo!
  Inimigo agora já não vem com a raiva da guerra, já não precisa ser só aquele que tem armas na mão contra ti e está do outro lado da barricada. Aqui, inimigo foi usado só por força desse mau hábito que demora a bazar. Inimigo aqui, são todos os que não devem conhecer o que vou fazer. Estás a ver! Todos aqueles que, se conhecerem o que vai acontecer, vão atrapalhar. Todos os fala-barato. Todos os fofoqueiros, os que basta verem ou saberem para pedirem também.
  E você sabe que na vida nunca há tudo para todos. As coisas nunca chegam para todos. Sempre vai faltar algo para alguém. Por mais que se tente distribuir bem, há sempre um vivo que não passa para a mão de outrem o que não devia ficar na sua. Há sempre um que tem a fome de dois. Que basta só alguma distracção, ou uma liberdade a mais que lhe dão: zábuas! Assim mesmo, palavra nova: zábuas! O mambo do outro foi mamado, engolido, baldado, evaporado de vez, sem reclamação possível nos “Perdidos e Achados" de lugar nenhum.
  Por isso é que não dá para todos quererem o mesmo ao mesmo tempo. Não da para todos pedirem a mesma coisa na mesma hora. Quando isso acontece, se abre então um espaço privilegiado, um lugar “condigno" para o esquema.





De: O Catador de bufunfa, 2011.

    05.04.2013



 
 

    Roderick Nehone
       Einleitung
    
Ineke Phaf-Rheinberger
  01   Agostinho Neto
     Sim em qualquer poema
     Ja in jedem Gedicht
  02   Zetho Cunha Gonçalves
     O inferno e a morte ...
     In der Hand von Hölle und Tod
  03   Sónia Gomes
     A Filha do General
     Die Tochter des Generals
  04   José Luís Mendonça
     O resto é poesia
     Der Rest ist Poesie
      António Gonçalves
     Adobe Vermelho da Terra
     Roter Lehm der Erde
  05   Tazuary Nkeita
     O último segredo
     Das letzte Geheimnis
  06   Carmo Neto
     Ah! Jeremias
     Ach! Jeremias
  07   Décio B. Mateus
     O Candongueiro
     Der Candongueiro
  08   Amélia Dalomba
     Espigas do Sahel
     Ähren des Sahel
  09   Roderick Nehone
     O Catador de Bufunfa
     Hinter der Kohle her
       Fortsetzung
    Monatlich weitere Autoren